- Ah, que me metam entre cobertores,
E não me façam mais nada...
Que a porta do meu quarto fique para sempre fechada,
Que não se abra mesmo para ti se tu lá fores.
Lã vermelha, leito fofo. Tudo bem calafetado...
Nenhum livro, nenhum livro à cabeceira -
Façam apenas com que eu tenha sempre a meu lado,
Bolos de ovos e uma garrafa de Madeira.
Não, não estou para mais - não quero mesmo brinquedos.
Pra quê? Até se mos dessem não saberia brincar...
- Que querem fazer de mim com estes enleios e medos?
Não fui feito pra festas. Larguem-me! Deixem-me sossegar...
Noite sempre plo meu quarto. As cortinas corridas,
E eu aninhado a dormir, bem quentinho - que amor...
Sim: ficar sempre na cama, nunca mexer, criar bolor -
Plo menos era o sossego completo... Histórias! era a melhor das vidas...
Se me doem os pés e não sei andar direito,
Pra que hei-de teimar em ir para as salas, de Lord?
- Vamos, que a minha vida por uma vez se acorde
Com o meu corpo - e se resigne a não ter jeito...
De que me vale sair, se me constipo logo?
E quem posso eu esperar, com a minha delicadeza?...
Deixa-te de ilusões, Mário. Bom édredon, bom fogo -
E não penses no resto. É já bastante, com franqueza...
Desistamos. A nenhuma parte a minha ânsia me levará.
Pra que hei-de então andar aos tombos, numa inútil correria?
Tenham dó de mim. Co'a breca! levem-me prá enfermaria -
Isto é: pra um quarto particular que o meu Pai pagará.
Justo. Um quarto de hospital - higiénico, todo branco, moderno e tranquilo;
Em Paris, é preferível - por causa da legenda...
Daqui a vinte anos a minha literatura talvez se entenda -
E depois estar maluquinho em Paris, fica bem, tem certo estilo...
- Quanto a ti, meu amor, podes vir às quintas,
Se quiseres ser gentil, perguntar como eu estou.
Agora no meu quarto é que tu não entras, mesmo com as melhores maneiras:
Nada a fazer, minha rica. O menino dorme. Tudo o mais acabou.
Mário Sá-Carneiro
Hoje é assim que me sinto... Com uma vontade enorme de me deixar cair em sítio calmo onde ninguém me posso encontrar!
- O teu sorriso é uma droga que não mais consigo suportar...
Deixa que eu te deixe... não sorrias mais pra mim...
4 comentários:
Não fazes ideia de como este texto de Mário de Sá C. me faz sentido.
E é interessante como depois de o ler e de ler o que escreveste soa a um 'ambiente interior' de quase desintoxicação.Quase como se um simples sorriso pudesse arriscar uma recaída. O amor é assim. Infelizmente às vezes é quase tóxico para o organismo.
Mas se este post reflecte de algum modo aquilo que estás a passar agora...acho positivo. Por incrível que te poossa parecer.
Beijo bom
Ás vezes o silêncio é fundamental para nos encontrarmos. Escolheste uma forma muito especial de o deizer. Beijo
Larga a toxina do meu peito, não te enroles em mim, deixa-me respirar o ar longe de ti, o teu cheiro abafa-me, os teus olhos entorpecem-me, esse sorriso trocista oprime.
Olha nestes meus olhos. Consegues ainda ver-te neles?
Aposto que não...
existem momentos assim...
beijinho e força
www.lbutterfly.blogs.sapo.pt
Enviar um comentário